sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

A incrível briga entre Yeda Crusius e Paulo Feijó

Rompimento entre governadora e vice é marcado por troca de acusações. Para Yeda Crusius (PSDB), Paulo Feijó (PFL) é despreparado. Feijó, por sua vez, diz que Yeda é autoritária. Tucana cancela viagens para não ter de transmitir o cargo.
Considerado um dos estados mais politizados do país, o Rio Grande do Sul está assistindo a cenas insólitas desde o final de 2006. Em dezembro do ano passado, a então recém-eleita governadora Yeda Crusius (PSDB) comandava uma equipe de transição para assumir no lugar de Germano Rigotto (PMDB). A primeira decisão de impacto de Crusius foi propor a prorrogação de um tarifaço aplicado por Rigotto e um aumento adicional de impostos, contrariando o que havia dito durante toda a campanha eleitoral. Na campanha, ela dizia que propor aumento de impostos era uma prática do “velho jeito de governar”. O vice-governador Paulo Feijó (PFL) acreditou nisso e decidiu bater pé. Participou ativamente dos protestos contra a proposta da futura governadora, que acabou sendo derrotada na Assembléia Legislativa. Entre os aliados de Yeda, Feijó não foi o único a se opor à proposta. Deputados de outros partidos, inclusive do PSDB, acabaram votando contra ela.O episódio foi apenas o início de uma briga que iria explodir publicamente logo no primeiro mês do governo Yeda-Feijó. Uma briga que, na verdade, teve suas sementes lançadas ainda na campanha eleitoral de 2006. Escolhido para acomodar uma aliança entre PSDB, PFL e PPS, o empresário Paulo Feijó foi escondido da propaganda eleitoral de Yeda. Neoliberal assumido, o ex-presidente da Federação das Associações Comerciais e de Serviço do Rio Grande do Sul (Federasul) é um entusiasta das privatizações e da idéia de Estado mínimo. Sempre disse isso em alto e bom tom. Ao longo de sua trajetória política recente, Yeda Crusius também defendeu essas idéias, apoiando e participando do processo de privatizações levada a cabo no RS pelo governo Antônio Britto (PMDB) e, em nível nacional, pelo governo FHC. Mas, na campanha para o governo gaúcho, Yeda optou por se apresentar de “cara nova”, dizendo apenas que era representante de “um novo jeito de governar”. Assim, na campanha, enquanto ela garantia que não iria privatizar nenhuma empresa pública, Feijó dizia o contrário. Era só o início do que estava por vir.Fogo amigo e liturgiasAs primeiras semanas do novo governo gaúcho confirmaram o que havia acontecido na campanha e no período de transição. O vice-governador foi descartado por Yeda e, sem função definida no governo, passou a fustigar a governadora através de declarações pela imprensa. O “fogo amigo” atingiu inclusive o marido da governadora, o economista Carlos Crusius, que desempenho um papel central na campanha e no período de transição. Feijó acusou a ingerência de Crusius no governo, observando que ele não havia sido eleito para nada e não tinha nenhum cargo no Executivo. O episódio serviu para azedar, definitivamente as relações entre o empresário e o casal Crusius. A partir daí, a situação só iria piorar. O último episódio dessa briga teve seu ápice na quarta-feira (7), quando Yeda Crusius, em entrevista à rádio Gaúcha, bateu forte em Paulo Feijó, reclamando de sua “falta de preparo para a vida pública e de sua irresponsabilidade”. As declarações foram uma resposta à nota oficial divulgada no dia anterior por Feijó, que tratou das denúncias feitas por ele contra o presidente do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul), Fernando Lemos, confirmado por Yeda para permanecer no cargo. O vice-governador advertiu-a sobre os riscos de manter Lemos no cargo, dizendo que sua gestão não resistiria à uma auditoria. Na nota, entre outras coisas, o vice-governador reclama da falta de diálogo por parte de Yeda. Após entregar uma carta à governadora, Feijó pediu uma audiência com a mesma, mas não foi atendido. A resposta veio na entrevista à rádio Gaúcha: “Ele não se preparou para ser uma pessoa pública, não tem o perfil (...) Não sabe respeitar a liturgia do cargo (...) Precisa ter responsabilidade, sentir-se parte do governo e não querer ser um rei (...) Espero que amigos e parentes o ajudem”, disparou a governadora. Se alguém tinha alguma dúvida acerca do rompimento entre as duas principais autoridades políticas do Estado, deixou de tê-las após esse episódio.“Um inimigo na trincheira”Feijó tornou-se um sério problema para o governo Yeda Crusius. A governadora trabalha para isolá-lo politicamente, o que vem conseguindo fazer, com a ajuda do próprio vice, que não mede palavras em suas declarações e coleciona atritos. Mas ele ainda é o vice-governador e tem, entre suas atribuições, a de substituir a governadora quando esta se ausentar do Estado por períodos mais longos. Em função disso, Yeda tornou-se uma espécie de prisioneira no Palácio Piratini. Ela foi convidada para ir ao Japão em uma missão oficial e recusou pois não quer transmitir o cargo para o vice. A crise só não adquiriu proporções maiores ainda porque a mídia gaúcha vem tratando o assunto em pequenas notas. A exceção foi um editorial publicado quarta-feira pelo jornal Zero Hora, lamentando a briga: “é doloroso para os rio-grandenses constatar a cada dia o péssimo relacionamento entre a governadora e seu vice. Na falta de um papel claro para desempenhar, ele está se transformando num verdadeiro inimigo na trincheira”.O editorial reproduz o tom geral da crítica que Yeda Crusius faz ao comportamento do vice; “Tudo bem que discorde da política governamental, especialmente nas áreas do seu conhecimento. É compreensível, inclusive, que manifeste suas opiniões sobre medidas econômicas e políticas que firam as suas convicções. Neste aspecto, pode até praticar um saudável contraponto e estimular os demais integrantes do governo a uma reflexão plural. Só não pode é se aproveitar da imunidade do mandato para boicotar sistematicamente a administração de que faz parte”. Um dos temores, no núcleo duro do governo Yeda, é que a figura do “inimigo na trincheira” se transforme na de um “homem-bomba”. Na tarde de quarta, cresceram os rumores de que Feijó não recuaria da briga e que, além de levar suas denúncias contra o presidente do Banrisul ao Tribunal de Contas do Estado, traria outras novas relativas ao financiamento da campanha eleitoral de 2006.Preocupação na AssembléiaA guerra entre a governadora e o vice já está repercutindo na Assembléia Legislativa gaúcha. A deputada Stela Farias (PT) anunciou que a Comissão de Serviços Públicos convidará nos próximos dias o vice-governador para prestar esclarecimentos sobre as denúncias envolvendo a gestão de Fernando Lemos, no Banrisul. “Do nosso ponto de vista, o que menos nos importa é a polêmica, que não é nova, entre a governadora Yeda Crusius e seu vice. O que nos preocupa é o prejuízo à imagem do banco público”, disse a deputada, que buscará o apoio das demais bancadas da casa para promover uma audiência pública na Comissão de Serviços Públicos. Feijó ainda não respondeu se aceitará o convite, mas, segundo seus raros aliados no governo, há boas chances de fazê-lo, uma vez que está ficando cada vez mais isolado e sem espaço no governo. Uma clara expressão disso é o tratamento que ele recebe no site do governo do Estado. Na seção de notícias dedicada ao vice-governador, desde o início do governo, há apenas uma nota, em 16 de janeiro, falando de um encontro que ele manteve com o secretário da Fazenda, Aod Cunha.A estratégia de Yeda Crusius é isolar cada vez mais Paulo Feijó, tentando vencê-lo pelo cansaço. Esse mesmo movimento foi utilizando durante a campanha eleitoral quando se cogitou, inclusive, substituí-lo na chapa. Na época, Feijó disse que não renunciaria de jeito nenhum. Repete o mesmo discurso agora. A crise entre as duas autoridades fragiliza o discurso de eficiência administrativa da governadora. Nos últimos dias, uma pergunta repete-se no Estado: quem foi mesmo que escolheu Feijó como vice? Originalmente, o empresário seria candidato a senador pelo PFL, mas um acordo entre este partido, o PSDB e o PPS, colocou-o como vice da chapa, ficando a vaga do Senado para o PPS. O “novo jeito de governar” anunciado por Yeda nasceu marcado por uma escolha de conveniência que está cobrando um alto preço agora. Esse preço só não está sendo maior em função da generosidade da mídia local que vem tratando o tema com notável discrição.
Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior

Onde está a esquerda?

O PT inicia seu processo de Congresso, mas corre o grave risco de se ter encantado com a vitória eleitoral de Lula, sem entender plenamente seu sentido e suas limitações. O PT não luta mais contra o neoliberalismo? Esse risco existe e é grave. Parece que o partido se esqueceu da decepção que foi o primeiro governo Lula, que não saiu do modelo neoliberal, isto é: manteve e acentuou a hegemonia do capital financeiro – com as taxas de juros mais altas do mundo, com um superávit primário maior do que o solicitado pelo FMI, com um Banco Central com todas as características de uma entidade independente -, com a estagnação da reforma agrária, com a manutenção de um padrão de acumulação centrado na especulação financeira, na exportação (cada vez mais primária, com a soja como grande estrela) e no consumo de luxo, com a liberação cada vez maior dos transgênicos, com a repressão às rádios comunitárias, com o discreto e posteriormente quase inexistente apoio ao software livre, com a estagnação econômica dos primeiros quatro anos, as imensas remessas de lucros para o exterior, os lucros gigantescos dos bancos, a não-abertura dos arquivos da ditadura, a falta de apoio aos povos indígenas – para citar alguns dos tantos problemas do primeiro governo, um governo do PT. Enfim, com todos os traços responsáveis pela enorme decepção que o governo Lula representou, para a esquerda brasileira, latino-americana e mundial. E que colocam em risco a existência do PT como partido de esquerda.Foram corretos a campanha e o voto por Lula, no primeiro e mais ainda no segundo turno da eleição presidencial. Foi para evitar o retorno da direita tradicional no Brasil, para impedir a volta de uma política externa pró-EUA, que liquidaria os processos de integração regional. Para brecar o retorno dos processos de privatização generalizada do patrimônio público. Para impedir a vitória dos oligopólios da mídia, que pretendem mandar na cabeça dos brasileiros. Para impedir a criminalização dos movimentos sociais, o Estado mínimo na sua expressão mais acabada, o neoliberalismo ortodoxo, com toda sua crueldade social. O povo entendeu que o governo Lula era melhor do que os governos FHC.Mas esse voto e essa vitória não podem ser tomados como um fim em si mesmo, como se o caminho do resgate do Brasil estivesse em boa rota, como se estivéssemos no bom caminho, que se trataria apenas de dar continuidade. Como se do que se tratasse agora seria consolidar o governo, tal qual existiu e se preparar para as eleições de 2010. Isso seria uma nova derrota para a esquerda. A vitória eleitoral representou a conquista de uma nova oportunidade para a esquerda, para lutar pela saída do neoliberalismo, para dar passos firmes na construção de um governo anti e pós-neoliberal, para o qual Lula foi eleito. Desperdiçar essa oportunidade, conquistada com grande esforço, é desperdiçar a vitória, é tirar-lhe o caráter potencial de nova oportunidade para a esquerda.Os debates para o Congresso do PT parecem - pelo que se pôde ver até aqui - mais voltados para a situação interna do partido do que para o partido de esquerda que o Brasil precisa. Podem se tornar – insuflados pela mídia – uma luta, uma guerra de tendências, por espaços internos, por acerto de contas no balanço sobre os erros dos últimos anos, por disputa de espaços internos no partido, desvinculado do que deveria ser o papel do partido no Brasil e na América Latina hoje.Gramsci chamava a atenção para as visões que isolam a vida interna dos partidos do entorno político, desligando as questões organizativas das políticas. Ou o PT se torna, clara e efetivamente, o partido da construção de um modelo alternativo ao neoliberalismo, ou terá deixado de assumir a função básica – e mínima – de um partido de esquerda hoje no Brasil. As lutas internas só tem sentido nesse marco. Ou o partido faz o balanço auto-crítico dos problemas do governo Lula e formula o programa de lutas da esquerda para que esses problemas sejam efetivamente superados ou estará reduzido à intranscendência: será um apêndice do governo, onde se darão as disputas essenciais sobre os destinos do segundo mandato.Não nos esqueçamos: se formos fazer um balanço dos erros e problemas do PT nos últimos anos, que eles não se reduzem aos escândalos denunciados, mas incluem a política econômica de Palocci e Henrique Meirelles – ainda hegemônica, embora enfraquecida -, que os erros não foram cometidos apenas pela direção anterior do PT – embora esta estivesse centralmente envolvida neles –, mas foram feitos em função da política de alianças do governo. Que foram afetados não apenas dirigentes do partido, mas o eixo central do governo Lula nos seus três primeiros anos. Que, portanto, não se trata apenas de um problema do PT como partido, mas também do primeiro mandato de governo. E se trata de erros que estiveram vinculados entre si, porque o mercantilismo que comandou políticas de aliança com partidos, é a mesma mentalidade que comandava a publicidade das campanhas, que comanda a política econômica.Se o Congresso do PT – e todo o debate interno que deveria acontecer previamente – não for para afirmar o partido como um pólo de esquerda, que lutará sem tréguas para que o governo saia do modelo neoliberal e enfrente, pelo menos, os problemas apontados acima, terá se tornado uma oportunidade perdida, para o PT e para a esquerda brasileira. Haverá, aparentemente, ganhadores e perdedores, mas terão perdido o PT e a esquerda.O campo da esquerda ficará inexpressivo, fragmentado. Os movimentos sociais podem exercer seu papel de luta por suas reivindicações, mas não o de ocupar o lugar de formulação de alternativas políticas ao neoliberalismo, que cabe a forças políticas. O P-Sol, por uma combinação de sectarismo e oportunismo, perdeu a possibilidade de contribuir para a redefinição da identidade e do programa da esquerda hoje. O PT pode assumir o papel de partido de esquerda, que luta, dentro e fora do governo, pela quebra da hegemonia do capital financeiro, pela construção de uma alternativa de esquerda ao neoliberalismo. Mas para isso precisa centrar seus debates na situação do Brasil, da América Latina e do mundo hoje. O tipo de partido que a esquerda brasileira precisa deve ser o instrumento para a derrota do neoliberalismo e a abertura de um período histórico pós-neoliberal, que aponte para a luta anti-capitalista e socialista. Essa necessidade decorre do esgotamento do modelo neoliberal, do desastre da política imperial de guerra dos EUA e das necessidades do Brasil e da América Latina hoje.O PT e a esquerda brasileira serão julgados pela capacidade de impor alternativas anti-neoliberais nestes anos de luta, conquistados na campanha eleitoral. Ou serão meros protagonistas intranscendentes da luta política e ideológica. A vitória eleitoral terá apenas adiado a derrota estratégica da esquerda. O povo brasileiro demonstrou que merece melhor sorte, que requer uma esquerda combativa, íntegra, capaz de propor e de lutar por um Brasil pós-neoliberal. Postado por Emir Sader às 10:41 - 05/02/2007

O que é a globalização

Sob o título “O mercado contra o Estado", Ignacio Ramonet – editor do Le Monde Diplomatique e autor de “Biografia a duas vozes”, entrevista de cem horas com Fidel Castro (Boitempo Editorial) – dá uma sintética e competente definição da globalização neoliberal. Usemos este texto como tema de discussão, para entender melhor os problemas do nosso tempo, do mundo e do Brasil. É um bom texto para ser reproduzido e utilizado em seminários de debate."O que é a globalização? O enfrentamento central do nosso tempo. Aquele do mercado contra o Estado, do steor privado contra os serviços púiblicos, do indivíduo contra a coletividade, dos egoísmos contra as solidariedades. Por todos os meios, o mercado procura ampliar sua área de intervenção em detrimento do Estado. É por isso que as privatizações se mutliplicam em todos os lados. Elas são, de fato, simplesmente tranferências para os setor privado de fragmentos (empresas, serviços) do patrimônio público. O que era gratuito (ou mais ou menos barato) e à disposiçáo de todos os cidadãos sem distitnção se torna pago ou mais caro. Esta grande regressão social tem sobretudo relação com as camadas mais pobres da população. Porque os serviços públicos são o patrimònio dos que não têm patrimônio. A globalização é também, pelo mecanismo das trocas comerciais, a interdependência cada vez mais estreita das economias de numersos países. O fluxo das exportações e das importações aumenta regularmente. Mas a globalização das trocas se refere sobretudo ao setor financeiro, porque a liberdade de circulação dos fluxos de dinheiro é total. E isto faz com que este setor domine, com grande vantagem a esfera da economia.As pessoas que detêm fortunas se encontram, para mutliplicar seu capital, diante da seguinte alternativa: seja investir seu dinheiro na Bolsa (não importa em que Bolsa do mundo, pois os capitais circulam sem entraves), seja investi-lo em um projeto industrial (criação de uma empresa de fabricação de produtos de consumo). Neste caso, a rentabilidade média é de entre 6 e 8% na Europa. Em compensação, no caso de um investimento na Bolsa, a rentabilidade pode chegar a níveis muito mais altos (na França, em 2006, os mercados bursateis conheceram uma alta de 17,5%, na Alemanha de 22% e na Espanha de 33,6%!). Diante de diferenças tão grandes, os proprietários de capitais só aceitam investir na indústria (onde são criados empregos) com a condição de que isso lhes renda cerca de 15% ao ano. Mas vimos como a rentabiliade média para esse tipo de investimento na Europa é de entre 6 e 8%. O que fazer? Pois bem, investir na China ou na Tailândia, por exemplo, países nos quais, em razão dos custos muito baixos da mão de obra, o retorno sobre o investimento pode chegar e até superar os 15%. É por isso que tantos investimentos são feitos atualmente, principalmente na China. E como a finalidade do exercício consiste em fabricar com baixos custos nos países pobres para vender a preços muito altos nos Estados ricos, isso leva a uma avalanche de produtos importador dos países-fábricas e vendidos, por exemplo, na Europa. Aqui eles competem deslealmente com os mesmos produtos fabricados no Velho Continente com custos de mão de obra mais altos porque os direitos sociais dos trabalhadores são aqui – felizmente – mais importantes. Em conseqüência as empresas européias vão à falência e numerosos outras são obrigadas a fechar as portas e a licenciar seus trabalhadores.Para sobreviver, alguns capitalistas optam por “deslocalizar”, isto é, transferir seu centro de produção para um país com mão de obra barata. O que se traduz, também nesse caso, nos países ricos, em fechamento de empresas e em desemprego. A globalização atua assim como uma mecânica de triagem permanente sob o efeito de uma concorrência generalizada. Há concorrência entre o capital e o trabalho. E, como os capitais circulam livremente, enquanto os homens são muito menos móveis, quem ganha é o capital. Da mesma forma que oa grandes bancos ditaram, no século XIX, sua atitude para numerosos países, ou como as empresas multinacionais o fizeram entre os anos 1960 e 1980, os fundos privados dos mercados financeiros têm agora em seu poder o destino de muitos países. E, em certa medida, o destino econômico do mundo.Os mercados financeiros estão em condições de ditar suas leis aos Estados. Nessa nova paisagem político-econömica, o global se impõe sobre o nacional, a empresa privada sobre o Estado. Náo há praticamente mais distribuição de renda e o único ator do desenvolvimento – nos dizem – é a empresa privada, o único reconhecido como competente em escala internacional. E assim o único motor em torno do qual – nos dizem – é preciso reorganizar tudo.Em uma economia globalizada, nem o capital, nem o trabalho, nem as matérias primas constituem, em si, o fator econômico determinante. O importante, é a relação ótima entre esses três fatores. Para estabelecer essa relação, uma emrpesa não leva em conta nem as fronteiras, nem as regulamentações, mas apenas a exploração mais rentável que ela possa fazer da informação, da organização do trabalho e da revolução da gestão. Isso produz sistematicamente uma fratura das solidariedades dentro de um mesmo país. Ocorre assim um divórcio entre o interesse das empresas e os interesses da coletividade nacional, entre a lógica do mercado e a lógica da democracia.As empresas globais fingem que não têm nada com isso: elas sub-contratam e vendem no mundo inteiro; e reivindicam um caráter supra-nacional que lhes permita atuar com uma grande liberdade porque não existe, para dizê-lo de alguma maneira, instituições internacionais com caráter político, econômico ou jurídico em condições de regulamentar eficazmente seu comportamento. A globalização constitui assim uma imensa ruptura econômica, política e cultural. Ela submete os cidadãos a uma regra única: “adaptar-se”. Abdicar de qualquer vontade, para obedecer mais às injunções anônimas dos mercados. Ela constitui o ponto de chegada final do economicismo: construir um homem “mundial”, esvaziado de cultura, de sentido e de consciência do outro. E impor a ideologia neoliberal em todo o planeta". (Publicado em “Les dossiers de la mondialisation”, Manière de voir de Le Monde Diplomatique – janeiro-fevereiro de 1007-(Tradução de Emir Sader) - 27/01/2007